sábado, 2 de maio de 2009

Lobisomem- parte 1

Isobel caminhava pela floresta nocturna. Não era alta nem baixa, nem gorda nem magra, mas sim uma robusta rapariga do campo. As florestas durante a noite eram perigosas, especialmente para raparigas. Mesmo assim, aquela floresta frondosa e escura transmitia-lhe uma sensação de calma que não encontrava em mais nenhum sítio.
O luar salpicava de prateado o seu caminho e Isobel sorriu a esta visão. Talvez dormisse ali mesmo e acordasse de madrugada para chegar a casa a tempo de ninguém reparar.
Uma nuvem cruzou os céus e mergulhou a floresta na mais profunda escuridão. Fechou os olhos e continuou a caminhar, ignorando os galhos caídos que lhe feriam os pés.
Um som agressivo quebrou o silêncio e, com uma inspiração sonora, Isobel voltou-se. Focou os olhos e distinguiu uma sombra. Segundos depois distinguiu ainda outras duas. Começou a tremer.
Ladrões!
Estes aproximaram-se dela. Eram pelo menos quatro, todos eles homens. Falavam uma língua que não percebia, muito diferente da sua.
Isobel começou a recuar, enquanto os homens falavam entre si. Sabia que não lhe valia de nada tentar falar com os homens, pois eles não a compreenderiam, nem gritar por socorro, pois ninguém a ouviria.
Perguntou-se o que os homens lhe fariam. Não trazia dinheiro nem nada de valor, pois não o possuía. A sua única peça de valor era um colar pendurado ao pescoço com um dente de lobo que encontrara na sua última ida à floresta.
Um dos homens agarrou-a por um braço e, instintivamente, Isobel começou a gritar. Sentiu a boca ser coberta por uma mão enluvada e outra mão revistar-lhe os bolsos do vestido. Não sabia como escapar.
Subitamente, os homens recuaram e Isobel caiu sentada no chão. Recuou até encontrar um tronco de árvore e escondeu-se quanto pôde na penumbra.
Um estranho ronco ecoou pela floresta, seguido por um uivo. Os ladrões gritaram em pânico e Isobel perguntou-se se não seria uma matilha de lobos. Se sim, temeu ainda mais pela sua vida, transpirando e tremendo no seu canto.
Ouviu o uivo ainda mais forte, seguido pelo rosnar característico. Passos rápidos percorreram o chão e os ladrões gritaram ainda mais alto. Isobel encolheu-se como meio de protecção.
Aos poucos os gritos iam cessando, o que indicava que eram cada vez menos ladrões (esperava ela). Os lobos mexiam-se com velocidade, invisíveis na noite, enquanto desmembravam os seus inimigos.
Poucos segundos depois, tudo tinha terminado.
Caiu um silêncio pesado. A medo, Isobel procurou focar os olhos no escuro. No início viu apenas escuridão, negro, trevas. Depois, a nuvem começou a desviar-se e Isobel pôde finalmente ver os seus salvadores. Qual não foi o seu espanto quando apenas viu uma estranha criatura semelhante a um lobo, mas muito, muito maior, quase do tamanho de um cavalo de costas arqueadas. O seu pêlo farto e cinzento estava manchado de suor e de sangue e respirava com força, como se estivesse cansado. Á sua volta jaziam os corpos dos ladrões, mortos.
O grande lobo olhou para ela e Isobel encolheu-se. O animal farejou o ar, sacudiu-se e caminhou na sua direcção, de cabeça baixa. O luar banhou-lhe o pêlo cinzento, traspirado e manchado de sangue vivo. As suas mandíbulas estavam igualmente manchadas e pendiam na direcção do chão, de uma maneira algo assustadora.
Isobel inspirou sonoramente e o grande lobo parou. Farejou o ar com ainda mais força e esticou a cabeça quase a tocar-lhe. Por instinto, Isobel estendeu a mão e o animal recuou com a cabeça um tanto bruscamente. Depois, mais calmo, fechou a boca e aproximou-se ainda mais. Isobel acariciou-lhe as orelhas peludas e percorreu o focinho do animal, explorando as formas invulgares e caninas. Não percebia porque razão o lobo não a atacava. Talvez fosse uma armadilha, embora duvidasse que os lobos tivessem a capacidade para pensar numa armadilha daquele tipo.
Isobel levantou-se e o lobo postrou-se a seu lado.
- Não me sigas!- sussurrou.
O lobo sacudiu-se, libertando pêlos cinzentos, e olhou-a com os olhos muito escuros e profundos. Mais calmo e mais perto dela, não parecia tão grande, dava-lhe mais ou menos acima da cintura. O lobo sentou-se e ganiu.
Isobel reparou que o lobo lambia a pata direita. Aproximou-se, mais por instinto do que por vontade, e pegou na pata do lobo. Tinha uma ferida enorme e feia, que se destacava bastante no meio do pêlo manchado. Aliás, nem percebia como não tinha reparado nela.
- Para te tratar disso tenho de te levar para minha casa!- sussurrou.
O lobo parecia divertido com a sua afirmação, pois lançou um som amigável das profundezas da sua garganta e os seus olhos brilharam intensamente. Isobel riu-se ao pensar como seria chegar a casa com o lobo e dizer que este a tinha seguido até casa.
Largou a pata do lobo e começou a caminhar, sendo seguida de perto pelo lobo. Tinha medo de voltar para a aldeia com o lobo, principalmente porque tinha medo que o abatessem. E Isobel já se sentia, de certa maneira, ligada ao animal.
Á entrada da aldeia, o lobo estacou. Isobel também parou e ficou a olhar para o seu novo amigo, perguntando-se porque razão este se encontrava parado, com a cauda a abanar de maneira calma.
- Então, não vens?
Aproximou-se do lobo e este recuou, ganindo quando a sua pata direita encontrou o chão com demasiado peso.
- Não te afastes!- pediu Isobel, num sussurro.
O lobo sentou-se e deixou que ela se aproximasse. Mesmo sentado continuava grande demais para um lobo normal.
- Ah, tu percebes o perigo, não é?- sussurrou Isobel, num murmúrio de compreensão.
O lobo fitou-a momentaneamente e logo depois começou a limpar a pata, cujo sangue começava a estancar. Isobel pensou que, sendo ele um animal selvagem, devia ter uma grande resistência a ferimentos.
O sol começava a nascer. Isobel não notara que tinha passado tanto tempo. Aí, o lobo ergueu-se e correu até se desaparecer na frondosa floresta.